A RUA E O BECO
Este artigo de Miguel Sousa Tavares deve merecer a atenção de todos nós, nomeadamente dos professores.Portugal não pode continuar a ser um País eternamente adiado.
Raul Brito
Setenta mil professores, segundo a Fenprof, estarão hoje nas ruas de Lisboa a manifestar-se. Querem a morte de todas as reformas ensaiadas nos últimos dois anos por Maria de Lurdes Rodrigues e, obviamente, querem também a cabeça de Maria de Lurdes Rodrigues. Desde que há Ministério, desde que há Educação, desde que há democracia, que não me lembro de a Fenprof e os sindicatos da Educação terem deixado de exigir a cabeça do ministro ou ministra em funções. Começou há muitos anos, quando Sottomayor Cardia se lembrou de fazer uma lei de gestão das escolas e Universidades em que (vejam lá a ironia e o escândalo) os conselhos directivos eram maioritariamente compostos por professores e não por funcionários e alunos. Na altura, gritou-se que o fascismo estava de volta e hoje quase que se grita o mesmo, porque a ministra se lembrou de propor a figura de um director para as escolas.
Julgou-se, a certa altura, que o problema poderia estar em os ministros da Educação serem homens, ditando ordens e instruções a um universo essencialmente feminino. Seguindo à letra o discurso feminista oficial de que as mulheres são melhores para a governação porque têm maior capacidade de diálogo, entendimento, etc., e tal, entrou-se na moda dos ministros mulheres, a ver se a coisa acalmava. Não acalmou: o problema não estava aí. E, a menos que se siga a sugestão ditada há dias ironicamente por Maria de Lurdes Rodrigues - experimentar uma loira burra - há que procurar as origens do confronto em outras razões.
Durante muitos anos, e para garantir uma paz podre no sector, todos os governos, incluindo os socialistas, renunciaram a tentar mudar o que quer que fosse. A política de educação estava entregue aos professores e as escolas aos sindicatos. O grosso dos ministros foi do PSD e os sindicatos estavam nas mãos da facção do PSD dirigida por Manuela Teixeira, e a do PCP e companheiros dirigida pelo crónico Paulo Sucena. Como nada de essencial no "statu quo" estava em causa, o confronto centrou-se na ineficácia funcional do Ministério. Anos a fio fomos confrontados com o espectáculo confrangedor de ver os dirigentes sindicais deleitados com as dificuldades e problemas crónicos da colocação de professores e os dramas reais dos professores "não efectivos" que viviam com a casa e a vida às costas, um ano no Algarve outro no Minho. Sem nenhum pudor, tornou-se claro que, quanto pior funcionasse o Ministério e mais problemas viessem para os professores desse mau funcionamento mais felizes andavam os sindicatos. Hoje, são ambos problemas resolvidos e cuja resolução ninguém se lembrou de enaltecer: os professores são colocados a tempo e horas e têm contratos que lhes garantem três anos de permanência no mesmo local.
Essa frente de luta sindical acabou, mas os trinta anos que ela durou deixaram marca. Os sindicatos da Educação tiveram uma contribuição decisiva para sucessivas gerações de alunos prejudicados e para a derrota nacional na frente educativa. Nunca tivemos falta de professores, falta de escolas, falta de dinheiro para a Educação. Gastámos como em nenhum outro sector e, em percentagem do PIB, mais do que a maioria dos países europeus. E tudo isso serviu para nada, para formar gerações de ignorantes, sem préstimo no mercado de trabalho de hoje ou para acumular taxas terceiro-mundistas de abandono escolar. Eu, se fosse professor, estaria, no mínimo, incomodado com os resultados. Porque é preciso muita má fé para sustentar que a culpa foi apenas dos ministros da Educação que tivemos - todos, sem excepção, incompetentes.
Nesta altura do campeonato já toda a gente percebeu que o problema não está em Maria de Lurdes Rodrigues, como também não estava no sacrificado ministro da Saúde Correia de Campos. O problema é mais fundo, mais antigo e mais complicado de enfrentar: Portugal é, de há muito, um país mental e estruturalmente corporativo e qualquer reforma que qualquer governo intente esbarra sempre contra uma feroz resistência da corporação atingida. E para que serve uma corporação? Para proteger os medíocres, não os bons. Acontece com os professores, com os médicos, com os magistrados, com os agentes culturais, com os empresários encostados ao Estado.
Certo que aquele labiríntico organigrama da avaliação dos professores parece, à primeira vista, uma obra-prima de burocracia. Certo que a ministra parece demasiado precipitada e intransigente, adepta de uma atitude de fazer primeiro e avaliar depois. Certo que, como tantas vezes sucede, ela parece ter perdido já a paciência para discutir o pormenor, se não lhe concederem o essencial. Mas, no essencial, ela tem razão e todos nós, que não estaremos hoje a desfilar em Lisboa, já o percebemos. Ela quer mudar as coisas, recusa conformar-se com os resultados de trinta anos a nada fazer; a corporação quer que tudo o que é determinante continue na mesma.
Todos percebemos que a gestão das escolas não pode ser tarefa única dos professores, mas de grande parte da sociedade civil interessada e isto é o que mais atinge uma corporação cuja sobrevivência depende da auto-regulação desresponsabilizadora - vejam como os magistrados ficam logo abespinhados de cada vez que alguém sugere invadir o que chamam a sua sagrada "independência", que é causa primeira da total falência da justiça. Todos percebemos que um professor que falta às aulas ou vê os seus alunos nada aprenderem e não se preocupa com isso não pode e não deve progredir na carreira e ganhar o mesmo que outro que se preocupa com os seus alunos e com as suas aulas. Todos percebemos que um professor que falta a uma aula pode e deve ser substituído por outro que está na escola, sem aula para dar e dentro do seu horário de trabalho - como sucede todos os dias e com a maior naturalidade cá fora, no mundo 'civil', em qualquer empresa ou qualquer local de trabalho. É isto o essencial.
Infelizmente, Maria de Lurdes Rodrigues não tentou ou não conseguiu cativar para o seu lado e para as suas reformas os bons professores, que seriam os maiores interessados e beneficiários delas. Deixou que ficassem isolados e que, pouco a pouco, fossem arrastados pela onda de 'bota-abaixo' da Fenprof. Talvez seja este o destino inevitável de qualquer tentativa que se faça de quebrar o poder paralisante das corporações. Talvez haja sempre uma maioria de acomodados que vejam em qualquer mudança um sinal de perigo para a paz podre em que se habituaram a viver. Estas coisas vêm de longe e estão entranhadas: no tempo de Salazar, o grande sonho do português era arranjar emprego para a vida no Estado - o ordenado era garantido assim como a progressão por antiguidade e a reforma ao fim de 36 anos; não lhe era exigido nem mérito nem resultados e jamais seria despedido, a menos que ousasse contestar o Governo. Com a democracia, se a fé no Estado e no emprego público se mantiveram, a única coisa que mudou é que as corporações do sector público já podem contestar os governos. Mais: fazem-no sempre que acham que os governos pretendem mudar o Estado, de que eles se julgam os guardiões.
E é por isso mesmo que a queda de Maria de Lurdes Rodrigues teria o efeito de um toque a finados por qualquer futura tentativa de reformar o Estado e mudar o país.
8:00 | Segunda-feira, 10 de Mar de 2008

6 comentários:
Mau Caro Raul Brito,
ENTENDAM-SE...é o minimo que se pede...
Saudações de esquerda
Olhar atento*militante de esquerda
Já me tinha referido a este artigo no 4.ª. Dimensão, no Domingo passado.
E a juntar a este temos o artigo do Fernando Madrinha.
Se eu fosse sindicalista corava de vergonha.
Mas alguém ouvi o senhor Mário Nogueira ou a Drª. Manuela Teixeira?
É uma grande verdade.
A Educação esteve muitos anos entregue à Dr^Manuela Teixeira, que com a graça divina ia convencendo os ministros a desistir para que tudo ficasse como estava. A irmã Manuela sabia falar ao coração dos crentes.
Depois pelo lado da Fenprof não faziam muito barulho mass levavam a água ao moinho na 5 de Outubro. O Dr. Paulo Sucena deve lembrar-se.
Agora o Nogueira é o que se vê.
Os professores e são muitos sabem que isto não podia continuar como estava.
Vão começar a perceber que serviram para um ataque de rua ao governo e não para defender os seus interesses e os da Educação.
ENTENDAM-SE...
Mas eu já sei no que isto vai dar..
Mais uma discussão na Assembleia...
enfim...esperemos
António Vitorino, homem infleunte no programa do Governo...lambram-se...abra uma janela...ANO, ANO E MEIO...meditem!!!
Mas, meus Caros deixem que lhes diga, porque se pega somente nestes artigos de opinião e não noutros!!!???
Mal vai a Democracia e o Governo, qualquer governo, que governa só pelas sondagens e pelos "opinion makers"...
Querem que vos lembre alguns recuos do Governo!!!???
1º)Tratado de Lisboa
2º)OTA
3º)Ministro Correia de Campos
4º)Ponte sobre o Tejo
querem mais, querem que vos fale da Justiça...(e vamos ver, não é!!??...)
Vou ficar por aqui...BASTA.
saudações de esquerda
Olhar atento*militante de esquerda
NOTICIA NO SOL...
Avaliação de desempenho dos professores
Ministério da Educação aberto a recuar em casos pontuais
Por Margarida Davim
O secretário de Estado, Jorge Pedreira, diz que a reunião desta terça-feira, com a Fenprof, correu de forma «inesperada, mas positiva». À saída, Pedreira admitia o adiamento da avaliação de professores em algumas escolas, enquanto Mário Nogueira não escondia a satisfação por ter visto «uma luz ao fundo do túnel»
Secretário de Estado da Educação admite soluções para professores contratados
Foi com um sorriso enigmático que Mário Nogueira abandonou o edifício da 5 de Outubro, depois de uma reunião com o secretário de Estado, Jorge Pedreira. O líder da Fenprof anunciou mesmo ter visto no encontro «uma luz ao fundo do túnel para desbloquear a situação» que se vive na Educação. Mas recusou-se a avançar com dados concretos sobre a conversa tida com os responsáveis do Ministério.
No final do encontro com os sindicalistas, Jorge Pedreira, partilhava o entusiasmo de Nogueira, mas também se fechava em copas quanto à solução. «Foi possível encontrar uma base para continuar o trabalho», explicou aos jornalistas, adiantando a «flexibilidade do Ministério da Educação» para encontrar soluções adaptadas aos casos concretos de cada escola.
Pedreira admite adiamento
em algumas escolas
«Não está em causa o processo [de avaliação dos docentes], a sua suspensão ou experimentação», assegura Jorge Pedreira, admitindo, no entanto, que em algumas escolas possa haver um adiamento da avaliação.
«Não se trata de um adiamento geral», advertiu, frisando que serão tidas em conta as «dificuldades» de cada escola.
O secretário de Estado deixou ainda a porta aberta encontrar soluções que salvaguardem a situação dos professores contratados em escolas nas quais o processo de avaliação ainda está atrasado e que precisam de ser avaliados para poderem ver os seus contratos de trabalho renovados. «Há possibilidade de salvaguardar essas situações», assegurou, sem revelar a solução para o problema.
Créditos de horas para avaliação
Um dos pontos mais contestados pelos docentes tem sido a sobrecarga de trabalho que a avaliação implica para os docentes – que até aqui não viam a sua carga lectiva diminuída para poderem exercer as funções de avaliadores.
Mas Pedreira considera que também para esse problema o Ministério da Educação tem uma solução. «Será dado um crédito de horas para efeitos de avaliação, que as escolas terão de gerir», anunciou.
Admitindo que «não há modelos perfeitos», Jorge Pedreira antevê a possibilidade de «no próximo ciclo de avaliação [o ano lectivo de 2009/10] haver correcções» ao sistema de avaliação apresentado pelo Governo este ano. Ainda assim, é peremptório: «No final de 2009, os professores estarão todos avaliados».
Entretanto, Fenprof e Ministério da Educação marcaram já na agenda um novo encontro, para sexta-feira, onde segundo Mário Nogueira e Jorge Pedreira serão apresentadas «soluções mais concretas». Isto, sempre, como sublinha Pedreira, «sem pôr em causa o essencial do modelo» de avaliação de desempenho dos docentes.
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Dois comentários retirados do Sol, ao artigo:
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Outro aspecto que devia ser revisto prende-se com uma lacuna que reputo de grave: haver imensos grupos disciplinares sem avaliadores da sua área científica. O M.E. devia ter aberto vagas para professores titulares por grupos disciplinares e nunca por departamentos. Assiste-se, assim, a situações absolutamente surreais, absurdas, quer a nível científico quer pedagógico que constrangem quer avaliadores, quer avaliados. Um avaliador de matemática avaliar um colega de Biologia/Geologia ( nem cientificamente está preparado, aliás, nem é obrigado, nem pedagogicamente capaz, em parte porque a disciplina implica recursos e estratégias que podem ser diferentes). Um avaliador de 7º escalão, de Educação Visual ( antigo curso de trabalhos manuais equiparado, posteriormente, através de uns complementos) quem nem pôde concorrer a titular,logo, não é, mas que por anos de serviço vai avaliar professores de Desenho e Geometria Descritiva e de Educação Física. Estas situações são às centenas no País.
O desencanto é total e mina a vontade de muitos professores quererem "mostrar trabalho" nos momentos da sua avaliação.
Que a Avaliação seja feita de forma séria, que todos possamos lutar para sair desta ataraxia que se apoderou da Educação.
Considero, pois, que se o M.E revisse este aspecto, ou seja, respeitar os grupos disciplinares e não os departamentos, muita desta tensão acabava.
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Exige-se paz, concentração, reflexão porque a nossa "matéria prima" é humana, é frágil: os nossos alunos. São as futuras gerações embrionárias e que merecem todo o nosso apoio, todo o nosso desvelo.
Que haja consensos, paz, sem que se desvirtualize a Avaliação que, de per si, nunca esteve em causa. Há muitos avaliadores com turmas de alunos a prestarem Exames Nacionais daqui a poucos meses e que não podem abandoná-los horas e horas, dias após dias, para ir avaliar os colegas. Tão simples quanto isto.
Mesmo com o regime de substituições destes docentes, previsto pelo M.E. não são salvaguardados os imediatos e indiscutíveis interesses dos alunos,já que as substituições são feitas, a maioria, mesmo a maioria, repito, das vezes, por docentes de áreas diferentes e que, obviamente, não podem avançar com os programas que têm de ser rigorosamente cumpridos.
Este é um dos aspectos que sempre esteve na base de muitos protestos, mas infelizmente parece que alguns comentadores de serviço nunca viram nisto a defesa suprema dos interesses dos alunos.
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É A MINHA ULTIMA INTERVENÇÃO NESTA MATÉRIA…DESCULPA CARLOS, DECULPEM TODOS…
Saudações de esquerda
Olhar atento*militante de esquerda
E no entanto o Miguel Sousa Tavares não deixa de ter razão...agora choram muitos milhares sem saber o que fazer com o (re)curso que tiveram...
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