CLARO QUE JÁ NÃO ME REVEJO NESTE PS
São José Almeida
Manuel Alegre reúne-se amanhã com os militantes socialistas que se envolveram na sua candidatura. Para tentar perceber para onde vai o PS
Manuel Alegre não desiste de tentar dinamizar o PS e de procurar formas de ser socialista hoje. Rejeita receitas únicas e uma visão que transforma os políticos em gestores da sociedade. Mas recusa também a criação de partidos como solução para a crise de comunicação com a sociedade que assola o PS. E não aceita ser erguido ao papel de "Santa da Ladeira".
PÚBLICO - Manuel Alegre, o que se passa com o PS?
Manuel Alegre - Com o PS passa-se muito pouca coisa. Com o PS e com a nossa democracia. Porventura leu o artigo do general Garcia Leandro. É muito preocupante que um general, que exerceu aquelas funções no Estado e com aquele sentido de responsabilidade, tenha dito o que disse e que tenha sido porta-voz das preocupações de muitos portugueses. Ou seja, que isto é um sistema bloqueado, que os partidos políticos têm que se reformular, sob pena de poder haver uma explosão social. E que, se não houvesse União Europeia, estavam reunidas as condições para um golpe de estado. Mas ele teve o cuidado de sublinhar que isso não se passa em democracia. Eu acho realmente que as coisas estão muito bloqueadas, por toda a Europa, mas aqui particularmente.
E, no PS, qual é o problema?
O que é o PS? O que é o socialismo, hoje? Depois da queda do Muro de Berlim, veio o capitalismo globalizado, que mudou a sua própria natureza. O ministro de Bill Clinton, Bob Reich, disse recentemente que antigamente respeitava o capitalismo americano porque era eficaz, produzia riqueza, estava alicerçado em valores, mas agora é uma imoralidade, não cria justiça, destrói os serviços públicos. E até acrescentou: que liquida impiedosamente o cidadão que há em cada um de nós. Há um recuo geral da esquerda. Em Maastricht, ou pelo menos num momento em que os partidos socialistas estavam no poder em toda a Europa, podiam ter criado soluções alternativas para o Estado Social. Optaram pela via gestionária, gerir aquilo que está. Portanto, criou-se uma situação de alternância sem alternativa. O que é hoje o PS? Ainda há socialismo no PS? Ainda se fala de socialismo? Ainda se fala de soluções alternativas? Ou, como dizia o general, as pessoas hoje estão nos partidos mais para resolverem os seus problemas pessoais do que por ideologia?
Esse discurso dá a entender que este já não é o seu PS ou que já não se revê neste PS.
Claro que já não me revejo neste PS. O que não quer dizer que este PS não tenha socialistas ou que entre aqueles que votam e apoiam o PS não haja muitos socialistas. Mas num partido político há vários níveis, o das estruturas dirigentes, o das estruturas intermédias, as bases e ainda há os votantes. Aquilo que eu chamei de nomenclatura, bem, hoje é uma coisa impenetrável.
O aparelho partidário?
Sim, aquilo a que se pode chamar o aparelho partidário, que são as estruturas, os que estão à frente da direcção nacional, das direcções intermédias, das federações, nas autarquias. Isso é um muro perfeitamente impenetrável. O PS ainda se move por alguma ideologia? Qual é a diferença hoje entre as políticas de um Governo conservador e as políticas gestionárias? Haverá diferenças de estilo. E aqui, neste Governo, houve uma mudança importante nas questões dos costumes. Fez a interrupção voluntária da gravidez, a paridade, a procriação medicamente assistida. Foram coisas significativas que, em outros momentos, o PS não tinha feito. Mas, nas políticas sociais, a ideia que se cria é esta: é necessário fazer reformas para garantir a sustentabilidade da Segurança Social e do Serviço Nacional de Saúde. Mas estamos a fazer reformas ou estamos a fazer contra-reformas? Eu sei que as pessoas vivem mais tempo, há uma diminuição demográfica, há um peso migratório. As condições mudaram. Mudaram também as condições do processo produtivo. Mudaram as condições sociais. Sei que é preciso fazer reformas. Mas o que me pergunto é qual o sentido das reformas? Será que não há alternativas? Penso que o papel dos socialistas é criar soluções alternativas. É fazer as reformas no sentido de garantir a viabilidade e de reforçar os serviços públicos, não de os esvaziar, como é hoje a receita única.
Essa procura faz-se criando uma nova força política ou faz-se dentro do PS?
As alternativas que apareceram foi através de movimentos de cidadãos, quer a minha candidatura à Presidência da República, quer depois as eleições intercalares à Câmara de Lisboa, com os resultados que são conhecidos. Mas os partidos existem e têm de existir. Só que é muito difícil mudar um partido por dentro. Portanto, como fazer? Eu não tenho uma solução milagreira no bolso. De facto, eu tive aqueles votos todos nas presidenciais. As pessoas estão muito desesperadas, há muita gente que se me dirige. Eu fico, por vezes, numa situação incómoda, porque eu não sou uma Santa da Ladeira, nem nenhum santo milagreiro. Sou uma pessoa que se bate por convicções. Sou contra as soluções providenciais em política. Mas isto é muito difícil. Por um lado, a grande dificuldade de mudar um partido por dentro. Por outro lado, sei que as pessoas desconfiam hoje dos partidos e a tendência é mais para movimentos de cidadãos. Mas há muita gente ligada ao PS que é gente boa, quer nas suas bases, quer nos seus dirigentes, quer nos seus votantes. Penso que é preciso criar aqui um mecanismo de debate e uma corrente de opinião de socialistas, que debata, para dentro e para fora, e que ponha as coisas a mexer, para dentro e para fora. Para quebrar uma muralha de betão armado.
Como é que isso se organiza?
É uma corrente de militantes socialistas. Por isso, eu convoquei [para amanhã] uma reunião de militantes. Mas não é só para disputar eleições concelho a concelho, secretariado a secretariado. É para tomar posições públicas e para discutir o que é essencial, que é o saber o que é ser socialista. Tem sentido ser socialista? Pode haver alternativas socialistas? Passou o tempo da utopia socialista, em que acreditávamos que era possível criar outra sociedade através da colectivização dos meios de produção, da abolição da exploração do homem pelo homem, etc. Mas ficou o Estado social. Portanto, como garantir o Estado social? Como garantir uma democracia em que direitos políticos e direitos sociais sejam inseparáveis? Discutir isso e criar um movimento de opinião que arraste as pessoas e que modifique esta situação. Vimo-lo recentemente: a opinião de algumas pessoas ou os movimentos de cidadãos têm força. Estas coisas são um processo, não é algo que se faça por decreto.
Disse que, às vezes, está numa posição incómoda. Ainda se sente representante do mais de milhão de votos que recebeu?
Houve 1.130.000 pessoas que votaram em mim. Mas, como em qualquer eleição, os votos diluem-
-se depois da eleição. Não ando com aqueles votos à trela. Isso cria uma responsabilidade. Por ter tido os votos, por ter feito a campanha que fiz e por que há muita gente que continua ligada a mim, muitos se me dirigem. Agora, esse milhão de votos não é uma coisa estruturada. As pessoas votaram para uma finalidade.
Como vê o desafio que lhe foi lançado por Medeiros Ferreira, na Visão, de que seja o próximo candidato do PS às Presidenciais de 2010?
O Medeiros Ferreira é especialista em lançar candidaturas de outros. Por que é que ele não lança, finalmente, a sua própria candidatura?
Ao fim de dois anos, como vê o desempenho do mandato de Presidente por Cavaco Silva?
É uma presidência com um estilo e uma visão próprios. Em questões de costumes, com uma posição conservadora. Nas questões sociais, com mais sensibilidade do que, por vezes, o próprio Governo ou sectores do Governo. Tem feito uma presidência que garante a governabilidade. Sem conflitos excessivos. Prudente. Também chamando a atenção para algumas questões, como a corrupção e a justiça mais recentemente. No estilo do actual Presidente, é uma presidência globalmente positiva. Mas numa situação como que estamos a viver, de crise e de bloqueio, quando um general como Garcia Leandro vem dizer o que diz, o Presidente tem de estar muito atento e tem de ter várias maneiras de intervir, no sentido de abrir janelas para as pessoas respirarem e voltarem a ter esperança. Esse é também o papel do Presidente: motivar, dar esperança, dar confiança e ter intervenções que possam desbloquear aquilo que parece irremediavelmente bloqueado.
1 comentário:
Já disse tudo o que tinha para dizer noutros postes.
Mas que fique claro que também não me revejo neste PS.
Saudações de esquerda
Olhar atento*militante de esquerda
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